22 dezembro 2015

O CARVÃO E OS FOGAREIROS


Mais um livro de Adriano Pacheco. Mais um livro, e mais um contributo do autor para a visibilidade dos modos de vida que, na Beira Serra, empurraram as pessoas para a (e)migração e, na cidade, as absorveram e distinguiram, já que escolheram Lisboa como destino favorito. É uma obra onde o autor convoca o conhecimento e a memória para falar, primeiro de carvoeiros e moleiros e da sua importância durante a Segunda Guerra, depois, de muitas das vertentes da vida no novo contexto de inserção: o alojamento precário ou partilhado; o interconhecimento como fator de obtenção ou melhoria de emprego; a especialização profissional por área geográfica de origem; a solidariedade conterrânea; a ligação às origens …

Tal como anteriormente o “Dez Reis de Gente”, também o “Idalécio”, personagem principal da obra, pode ser cada um dos que ousaram partir e ter sucesso, através da iniciativa e do trabalho esforçado, da inteligência e da organização.

Enfim, um livro com um pé lá e outro cá, em vai e vem entre a cidade e a terra, exatamente como os protagonistas do êxodo e, hoje, alguns dos seus descendentes.

Do ponto de vista do estilo, Adriano Pacheco continua a usar a ficção e uma escrita pródiga em reflexões e expressões locais, para destacar valores e práticas, ao mesmo tempo que faz “um registo apaixonado muito próximo da verdade dos factos” (p. 9). A partir de um título que pode ser visto como metáfora: carvoeiro na aldeia, taxista e empresário de transportes na cidade, de permeio, os fogareiros a carvão ou petróleo, em que os recém-chegados cozinhavam, nesses longínquos meados do século passado.

Pois, é que os “fogareiros” são os taxistas! Estes profissionais terão ganho a alcunha depreciativa, entre outras explicações, em virtude das qualidades pirotécnicas dos carros a gasogénio, no pós-guerra, da pressa com que andam ou, ainda, da fraca cordialidade de alguns (pp. 73-74, 122-126). Parece que o epiteto também se aplicava à generalidade dos aselhas em matéria de condução!

Não me canso de enaltecer a capacidade de escrita de Adriano Pacheco. Obrigada por utilizá-la para falar de realidades e grupos sociais que continuam pouco valorizados, enquanto sujeitos e agentes da história.

Lisete de Matos
Açor, Colmeal, 21 dezembro de 2015.


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