01 outubro 2015

Se não foram mais longe foi porque não puderam! (II)


«Para defender a nobre Causa regionalista em prol do bem comum, só se exige que sejamos bons portugueses, bons regionalistas e amantes do torrão natal.» (Joaquim Dias Pereira, in «Região das Beiras», 30-4-43).

Esqueça o leitor que vive em 1980, recue a 1930 e, nuns ou noutros casos, sectores ou aldeias, a décadas mais recentes, mesmo e porque não a princípios do ano anterior.
Veja o programa:

Não havia estradas entre as várias povoações e o exterior, apesar do Colmeal figurar, desde o século anterior, como «servido» pela lendária e nunca concluída estrada Góis a Cebola (hoje S. Jorge da Beira).
É preciso também não esquecer que escolas havia duas (masculina e feminina), ambas na sede da freguesia.

Desconhecia-se o telefone, os registos, valores declarados e encomendas postais.
Como iluminação caseira utilizava-se a candeia alimentada a borras de azeite ou petróleo, embora a sede concelhia tivesse sido electrificada antes, mesmo, de algumas cidades.
O «abastecimento» de água, em todas as aldeias, era o famigerado e anti-higiénico «chafurdo».

Grave, também, era quando qualquer um adoecia. Tinha que ir alguém, dezenas de quilómetros, a pé, requisitar o clínico e à freguesia se deslocavam heroicamente, a pé, ou a cavalo, os médicos de Góis, Arganil ou Pampilhosa da Serra. Depois, não menos heroicamente, lá voltava o mesmo «portador» ou outro a percorrer os mesmos 30 ou 40 quilómetros (ida e volta), para adquirir os remédios.
E quando era necessário gelo para aplicar em qualquer enfermo? Para o gelo se derreter o mínimo possível, a distância Arganil-Colmeal, ou outras povoações, tinha de ser palmilhada de noite e, mesmo assim, perdia-se metade do gelo.
Já fizeram uma ideia, mesmo superficial, o que era um saco de gelo e serradura às costas, percorrer de noite, na maioria dos casos sem luar, o percurso Arganil, Lomba, Portal do Lourenço, Fonte do Asno, Aveleira, Selada do Escudeiro, Cabeço do Gato, Sentada da Panasqueira, Covil, Laigieira, Sentada do Chiqueiro, Relva do Meio, Sancho, etc., etc.?

Embora civilização, cultura e humanismo fossem vocábulos a que alguns portugueses, mesmo antes da época Renascentista, souberam dar um sentido real e mesmo actuante, tais séculos passados eram pura e simplesmente desconhecidos no Colmeal, como na Beira-Serra em geral.
Civilização não havia, imperava o analfabetismo; e tudo, em todas as actividades da vida, era desumano.
Para este efeito contribuíam, em parte, as serras. As serras que envolviam a freguesia tinham uma personalidade própria. Eram seres que viviam, sentiam e se comoviam com os sacrifícios do homem que, carregado ou não, as subia e descia. Só o rio, ao fundo do vale, onde as mulheres lavavam a roupa, os homens se banhavam nus como vieram ao mundo e movia os moinhos, se mostrava indiferente. A personalidade das serras do interior revelava-se com nitidez na sua influência sobre o atraso do homem. O homem regionalista no entanto, um dia, havia de dominar, alterar a sua fisionomia e deixar de se influenciar com a serra rasgando-lhe estradas.

*

E quando a doença era grave e o médico aconselhava o transporte do enfermo para Góis?
Fazem, igualmente, uma pequena ideia do que era transportar um doente em maca, durante 15 quilómetros, sempre por carreiro de cabras, através de montes e vales?
Em face do isolamento total e mais tarde parcial, quantos conterrâneos, de todas as aldeias da freguesia, vieram a falecer antes da chegada do médico, dos medicamentos, ou na maca em direcção ao hospital mais próximo?
Também à falta de melhor, as parturientes eram assistidas por curiosas experientes mas irresponsáveis e os óbitos emitidos, sem qualquer competência, pelo regedor.

Igualmente dinheiro não havia, nem onde o ganhar. O pouco que as leiras produziam, numa agricultura rudimentar e arcaica, tal como hoje, era insuficiente para alimentar uma casa de família. Para liquidarem os géneros alimentícios que a terra não produzia nem produz, peças de vestuário ou utensílios domésticos, migravam os homens periodicamente para o Alentejo, outras províncias ou Lisboa, durante alguns meses, onde se dedicavam à ceifa, apanha da azeitona e uva, ou na capital a actividades livres (moços de fretes das praças abastecedoras, «Almeidas», engraxadores, etc.). Quando da sementeira ou recolhimento, regressavam sempre com algum pecúlio para pagar as dívidas.

A freguesia não tinha nada de nada. Aquilo a que a União Progressiva da Freguesia do Colmeal se propunha era a esperança num porvir melhor, mas, simultaneamente, e parcialmente, o impossível.
Impossível sob a mesma bandeira, a eliminação das mais primárias carências das várias e dispersas aldeias colmealenses, pela grandiosidade dos problemas existentes em todas elas, como, fundamentalmente, pela falta de apoio material dispensado à União Progressiva da Freguesia do Colmeal.

Durante vários anos de existência a União Progressiva da Freguesia do Colmeal, com um número de sócios na ordem da centena e uma receita ínfima – as quotas variavam entre 1$00 e os 2$50 – as possibilidades eram poucas ou nenhumas. Tal como a vaca necessita de bom pasto para «fabricar» leite de qualidade para amamentar as crias, também a União necessitava de muitos e bons sócios de toda a freguesia e do apoio económico das populações para, assim, concretizar os anseios das mesmas.
Como podiam os colmealenses de toda a freguesia ajudar materialmente se não possuíam nem dinheiro para adquirir os géneros alimentícios ou as coisas mais primárias para a casa de cada um?
Por este importante facto esse imprescindível apoio nunca existiu em termos reais, talvez até por terem concluído ser muito mais fácil e mais rápido os naturais de cada aldeia resolverem entre si os seus próprios problemas, como se veio a verificar.
A almejada e idealizada «solidariedade de todos os naturais da freguesia» não foi viável, apesar do primeiro melhoramento ter sido executado fora do Colmeal. Evidentemente, sem apoio não era possível passar da teoria à prática. Quantos sonhos desfeitos?


in Boletim “O Colmeal”, Nº 164 – Julho/Agosto de 1980
Arquivos da União

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