«Para defender a nobre Causa
regionalista em prol do bem comum, só se exige que sejamos bons portugueses,
bons regionalistas e amantes do torrão natal.» (Joaquim Dias Pereira, in
«Região das Beiras», 30-4-43).
Esqueça
o leitor que vive em 1980, recue a 1930 e, nuns ou noutros casos, sectores ou
aldeias, a décadas mais recentes, mesmo e porque não a princípios do ano
anterior.
Veja
o programa:
Não
havia estradas entre as várias povoações e o exterior, apesar do Colmeal
figurar, desde o século anterior, como «servido» pela lendária e nunca
concluída estrada Góis a Cebola (hoje S. Jorge da Beira).
É
preciso também não esquecer que escolas havia duas (masculina e feminina),
ambas na sede da freguesia.
Desconhecia-se
o telefone, os registos, valores declarados e encomendas postais.
Como
iluminação caseira utilizava-se a candeia alimentada a borras de azeite ou
petróleo, embora a sede concelhia tivesse sido electrificada antes, mesmo, de
algumas cidades.
O «abastecimento»
de água, em todas as aldeias, era o famigerado e anti-higiénico «chafurdo».
Grave,
também, era quando qualquer um adoecia. Tinha que ir alguém, dezenas de
quilómetros, a pé, requisitar o clínico e à freguesia se deslocavam
heroicamente, a pé, ou a cavalo, os médicos de Góis, Arganil ou Pampilhosa da
Serra. Depois, não menos heroicamente, lá voltava o mesmo «portador» ou outro a
percorrer os mesmos 30 ou 40 quilómetros (ida e volta), para adquirir os
remédios.
E
quando era necessário gelo para aplicar em qualquer enfermo? Para o gelo se
derreter o mínimo possível, a distância Arganil-Colmeal, ou outras povoações,
tinha de ser palmilhada de noite e, mesmo assim, perdia-se metade do gelo.
Já
fizeram uma ideia, mesmo superficial, o que era um saco de gelo e serradura às
costas, percorrer de noite, na maioria dos casos sem luar, o percurso Arganil,
Lomba, Portal do Lourenço, Fonte do Asno, Aveleira, Selada do Escudeiro, Cabeço
do Gato, Sentada da Panasqueira, Covil, Laigieira, Sentada do Chiqueiro, Relva
do Meio, Sancho, etc., etc.?
Embora
civilização, cultura e humanismo fossem vocábulos a que alguns portugueses,
mesmo antes da época Renascentista, souberam dar um sentido real e mesmo
actuante, tais séculos passados eram pura e simplesmente desconhecidos no
Colmeal, como na Beira-Serra em geral.
Civilização
não havia, imperava o analfabetismo; e tudo, em todas as actividades da vida,
era desumano.
Para
este efeito contribuíam, em parte, as serras. As serras que envolviam a
freguesia tinham uma personalidade própria. Eram
seres que viviam, sentiam e se comoviam com os sacrifícios do homem que,
carregado ou não, as subia e descia. Só o rio, ao fundo do vale, onde as
mulheres lavavam a roupa, os homens se banhavam nus como vieram ao mundo e
movia os moinhos, se mostrava indiferente. A personalidade das serras do
interior revelava-se com nitidez na sua influência sobre o atraso do homem. O
homem regionalista no entanto, um dia, havia de dominar, alterar a sua
fisionomia e deixar de se influenciar com a serra rasgando-lhe estradas.
*
E
quando a doença era grave e o médico aconselhava o transporte do enfermo para
Góis?
Fazem,
igualmente, uma pequena ideia do que era transportar um doente em maca, durante
15 quilómetros, sempre por carreiro de cabras, através de montes e vales?
Em
face do isolamento total e mais tarde parcial, quantos conterrâneos, de todas
as aldeias da freguesia, vieram a falecer antes da chegada do médico, dos
medicamentos, ou na maca em direcção ao hospital mais próximo?
Também
à falta de melhor, as parturientes eram assistidas por curiosas experientes mas
irresponsáveis e os óbitos emitidos, sem qualquer competência, pelo regedor.
Igualmente
dinheiro não havia, nem onde o ganhar. O pouco que as leiras produziam, numa
agricultura rudimentar e arcaica, tal como hoje, era insuficiente para
alimentar uma casa de família. Para liquidarem os géneros alimentícios que a
terra não produzia nem produz, peças de vestuário ou utensílios domésticos,
migravam os homens periodicamente para o Alentejo, outras províncias ou Lisboa,
durante alguns meses, onde se dedicavam à ceifa, apanha da azeitona e uva, ou
na capital a actividades livres (moços de fretes das praças abastecedoras,
«Almeidas», engraxadores, etc.). Quando da sementeira ou recolhimento,
regressavam sempre com algum pecúlio para pagar as dívidas.
A
freguesia não tinha nada de nada. Aquilo a que a União Progressiva da Freguesia
do Colmeal se propunha era a esperança num porvir melhor, mas, simultaneamente,
e parcialmente, o impossível.
Impossível
sob a mesma bandeira, a eliminação das mais primárias carências das várias e
dispersas aldeias colmealenses, pela grandiosidade dos problemas existentes em
todas elas, como, fundamentalmente, pela falta de apoio material dispensado à
União Progressiva da Freguesia do Colmeal.
Durante
vários anos de existência a União Progressiva da Freguesia do Colmeal, com um
número de sócios na ordem da centena e uma receita ínfima – as quotas variavam
entre 1$00 e os 2$50 – as possibilidades eram poucas ou nenhumas. Tal como a
vaca necessita de bom pasto para «fabricar» leite de qualidade para amamentar
as crias, também a União necessitava de muitos e bons sócios de toda a
freguesia e do apoio económico das populações para, assim, concretizar os
anseios das mesmas.
Como
podiam os colmealenses de toda a freguesia ajudar materialmente se não possuíam
nem dinheiro para adquirir os géneros alimentícios ou as coisas mais primárias
para a casa de cada um?
Por
este importante facto esse imprescindível apoio nunca existiu em termos reais,
talvez até por terem concluído ser muito mais fácil e mais rápido os naturais
de cada aldeia resolverem entre si os seus próprios problemas, como se veio a
verificar.
A
almejada e idealizada «solidariedade de todos os naturais da freguesia» não foi
viável, apesar do primeiro melhoramento ter sido executado fora do Colmeal.
Evidentemente, sem apoio não era possível passar da teoria à prática. Quantos
sonhos desfeitos?
in Boletim “O Colmeal”,
Nº 164 – Julho/Agosto de 1980
Arquivos
da União
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