15 janeiro 2013

GADO BOVINO DE TRABALHO: UMA TRADIÇÃO QUE PERSISTE


Uma vez mais, fui ver a exposição de gado bovino de trabalho, na Feira do Mont’Alto, Arganil.

Lá estavam o Rui - como todos lhe chamam - e outros expositores conhecidos. São pessoas que merecem o nosso aplauso e agradecimento, por persistirem em manter viva uma tradição que agrada a tanta gente. Provavelmente gastando com a manutenção dos animais, os salários que, pelo menos alguns, auferem no exercício de atividades profissionais muito distintas.




Tal como a feira em si própria, a exposição/concurso de gado bovino continua a funcionar como polo de atracção e de encontro anual, já que são muitos os que a frequentam para matar saudades dos animais, e fazer um ou outro negócio. Sendo sempre mais homens do que mulheres, ficam por ali a observar os bichos, e a conversar, enquanto esperam pelo júri. Comentam-se o porte e a beleza dos animais, a meiguice do olhar, o brilho do pelo mais ou menos luzidio, um ou outro defeito que só os entendidos veem, o tratamento que o aspeto indicia ...


- Meu Deus!, que coisas mais lindas e imponentes! - dizia a minha irmã de mão na cabeça a segurar o espanto. – Até estou comovida!



Os mais velhos contam histórias do tempo em que usavam os animais para lavrar a terra ou transportar artigos, os mais novos recordam o fascínio e o respeito com que olhavam para aqueles monstros pachorrentos, que andavam sempre juntos. Encontravam-se com frequência, apesar de haver localidades onde não cabiam, devido à exiguidade do espaço e dos caminhos, mas também da terra que mal chegava para alimentar as pessoas. Noutras, porém, terão abundado, a avaliar pela largura dos portões dos pátios que têm resistido - por exemplo na Cabreira e na Sandinha -, à voracidade da substituição do património edificado antigo. De qualquer modo, testemunhando uma realidade bem distinta da que era habitual mais a norte do país, onde a junta de bois, a “toira” ou outro animal de tração integrava a maior parte das unidades familiares de produção. 

- Êh, pá, grande aselha! Desse modo, não os tiras! Se fosse eu, já os tinha virado há muito. Um de cada vez, pá …- Costuma dizer-se que se entrou também sai, mas, no caso, o dono dos animais parecia não atinar com a forma de os fazer sair de dentro da carroçaria para onde os fizera entrar. A propósito, vi animais muito apertados dentro do transporte que os trouxe, tal como vi outros que estavam a ser descarregados através de uma rampa tão inclinada que o chão lhes faltava debaixo das patas, levando-os a precipitarem-se em voo pesado para o chão.



Aprecei uma junta de bezerros que custava 220 contos. “As pessoas falam em contos”, dizia-me o jovem vendedor, enquanto eu pensava que aquela era a forma de situarem os bichos e a sua funcionalidade num passado de há mais de meio século, que alguns dizem estar a tornar-se de novo presente. O jovem só vendia ambos os bezerros, para se habituarem a trabalhar em conjunto, coisa que nós humanos nem sempre sabemos fazer!

Esqueci-me foi de lhe perguntar se realmente ainda trabalham, pensando num amigo das Torrozelas (lembra-se?), que há uns anos me dizia que a sua vaca de estimação só trabalhava para fazer exercício físico. “É assim como quem leva uma pessoa doente a passear, para se mexer e apanhar ar!” Foi aí que eu, que sempre ouvira falar apenas de bois, disparei com o maior dos poucos à-vontades que me são conhecidos:


- Mas eu pensava que só havia bois …! - E ele, sem demora:


- Então menina, tem de haver os dois, o macho e a fêmea …!”

- Pois …!

Tal como em anos anteriores, andava pelo recinto um cavalo que as crianças podiam montar e um pónei maluco que a determinada altura se espojou no chão, a rebolar coçando o lombo, para gáudio dos presentes. Terá sido vendido por 1 000 €.


A grande atração, porém, era um burrinho bebé que todos cobiçavam e afagavam. Não podia ser mais amistoso e ternurento, alternando entre a teta espremida da mãe e as festas que os visitantes lhe faziam. Um encanto. Não tinha preço, literal e figuradamente falando. Foi assim que ficou por lá!





Lisete de Matos
Açor, Colmeal, 10 de Setembro de 2012. 



1 comentário:

Anónimo disse...

Fico sempre deliciada com os textos, sempre belíssimos, da Drª Lizete Matos. Obrigada pela delicadeza e ternura com que nos enriquece regularmente, partilhando a memória das pessoas, dos gestos, dos ofícios, dos caminhos,... Faz-nos bem à alma! Bem-Haja!
Deonilde Almeida