31 dezembro 2009

AINDA OS TORTULHOS …

Tantos e tão diferentes, cada um simultaneamente tão singular e tão igual! Ter-se-ão reproduzido assim, “como cogumelos” que são, bafejados pelo hálito quente e húmido do Outono ameno que passou, ou terei sido eu que neles reparei pela primeira vez? Só vemos quem e o que queremos, só amamos quem o que conhecemos!
Como referia recentemente a propósito dos tortulhos de chapéu (como se a maioria o não tivesse!) [1], os cogumelos são uma espécie de fruto dos fungos, seres fantásticos e peculiares que contribuem para o equilíbrio ecológico e para muitos outros fins, funcionando com elo de ligação entre várias cadeias alimentares. Humildes e silenciosos, agem invisíveis no âmago do solo ou dos corpos que os hospedam, até ao momento em que, respondendo ao apelo combinado da reprodução e das condições ambientais, desabrocham na explosão de vida e beleza que são os cogumelos. De acordo com a bibliografia da especialidade, o reino fungi integra mais de um milhão e meio de fungos e de dez mil tipos de cogumelos, dos quais apenas uma minoria é conhecida como comestível, venenosa, medicinal, alucinogénea ou ornamental.
São de facto muitos! Tantos, que em pouco tempo consegui observar dezenas de espécies, com a colaboração de familiares e amigos, de repente transformados em micologistas empenhados. Espécies silvestres, claro, sem incluir os já domesticados “champignons” ou o “Kefyr”fazedor de iogurte! Num deslumbramento contagiante, vi cogumelos minúsculos e grandes, devido à espécie ou à influência do habitat; grandes e pequenos, porque já crescidos ou ainda em crescimento; pujantes de vida e beleza ou já a definhar; coloridos e pardacentos, e de cor perene ou evolutiva.
Quanto ao pé, cogumelos com o pé curto e comprido; torto e direito; de espessura uniforme e irregular; oco e compacto; com e sem calcinha ou volva; centrado ou descentrado em relação ao chapéu … Chapéu cuja multiplicidade de formas varia com a espécie e com a idade, e cuja parte inferior chamada himénio, onde se formam os esporos, apresenta uma textura laminada, esponjosa ou felpuda, conforme a constituição por lâminas, tubos ou filamentos.
Em resumo, cogumelos com as características físicas que os distinguem uns dos outros.
Mas também com características psicológicas. Sempre a quererem imitar as pessoas, os cogumelos podem ser discretos e tímidos ou assertivos e ostensivamente provocantes, como é o caso dos vermelhos pintalgados de branco amanitas mata-moscas, vestidos com aquelas calcinhas vaporosas e “sexy”! Tal como podem ser amistosos ou venenosos, embora eu não tenha encontrado ou sabido identificar o fatidicamente célebre amanita falóide, tão gostoso, tão gostoso que só se degusta uma vez, a não ser que cedo se intervenha sobre o desgosto que causa! Vi foi muitos do igualmente nocivo lepiota castanha, que é um perigoso sósia do comestível tortulho de chapéu. Para além desta mania das imitações, os cogumelos podem ter outros comportamentos estranhos! Por exemplo, enquanto os compassivos mata-moscas só as atordoam, dizem, os descarados dos falos impúdicos atraem – nas, com o cheiro fétido que exalam, para que elas lhes propaguem os esporos reprodutores, levando-os nas patas. De resto, como os outros de que falava há tempos, também estes são cogumelos que nascem vencedores de obstáculos, carregando terra e outros empecilhos à cabeça! Ah, e andam aos pares, com excepção para os mais sociáveis e amantes de multidões, que vivem em tufos e ninhadas!
Uma perdição! Para os que com eles se perdem, e perdem ganhando horas e dias de contentamento e encantamento. Sem feitiços e poções mágicas, mas com rituais como acariciar-lhes o chapéu para o limpar ou tornar mais visível, usar o palmo para o medir, tombar a cabeça junto ao chão para ver o himénio, ignorar o olhar desconfiado dos que passam … E sofrer a decepção de não o voltar a ver, ou de encontrar o cogumelo que acenava sorridente da berma da estrada esmagado por pé intolerante da diferença e da diversidade.
Desaparecer, vítima da graciosidade ou das propriedades que lhe são atribuídas, foi o que aconteceu ao amanita que protege o parceiro debaixo do chapéu; ser esmagado, o destino do cogumelo que parece uma flor. Também é frequente encontrá-los gratuitamente arrancados, com a consequente danificação do fungo. Embora tenha contado com o apoio do Guia dos Cogumelos (Dinalivro), que alguém muito amigo e solidário me enviou, não consegui identificar todas as espécies que encontrei. Por essa razão, e porque a confusão pode ser fatal, não ouso nomear a maioria dos cogumelos cujas fotografias partilho. Apesar disso, e de serem uma pequena amostra da enorme beleza do universo para que remetem, espero que contribuam para suscitar muitas seduções e adesões à causa dos fungos e outras. Para que o ambiente permaneça acolhedor para os nossos filhos e netos.
[1] Lisete de Matos, Um Abraço de Tortulhos. In: O Jornal de Arganil, de 19 de Nov. 2009; http://upfc-colmeal-gois.blogspot.com, de 19 Nov. 2009; Boletim, Nº 11, Dez. de 2009, Biblioteca Municipal de Arganil – Miguel Torga; www.bib-arganil.org.
Lisete de Matos Açor (Colmeal), 26 de Dezembro de 2009

1 comentário:

Guidinha Pinto disse...

Lindos tortulhos. No outro lado do Açor, na da Lousã, há uma ou outra especie, com chapéus largos, que faz uma fritada com ovos que é um espectáculo para as papilas gustativas.
Feliz 2010!
Fique bem.