19 novembro 2009

UM ABRAÇO DE TORTULHOS

. Insistindo em partilhar a beleza e a diversidade com a que a serra nos presenteia, nutrindo o encanto que outras situações desencantam, saúdo-vos hoje com um abraço de tortulhos. É um abraço apenas terno e empírico, que não dispensa outras abordagens ao tema, inclusive porque os tortulhos podem ser perigosos.
Sendo cogumelos, os tortulhos, também designados de “tartulhos”, “tertulhos”, “fradelhos”, rapazinhos e cogumelos de chapéu, são como que a frutificação de fungos. Li algures que estão para o fungo que os produz como a maçã está para a macieira. Existem por toda a parte, preferindo os campos não cultivados mas ainda livres de ervaçais densos. A fartura com que aparecem acompanha, frequentemente, a abundância e a itinerância dos rebanhos. Percebe-se bem por quê! Uma vez que não possuem clorofila para transformar os nutrientes, espertos, os fungos tornam-se parasitas ou consumidores de matéria orgânica já processada! É o caso dos tortulhos, que fazem parte dos decompositores.
Os tortulhos de que estou a falar (e outros) são comestíveis, como se tem visto em vários programas de televisão ou pode constatar na internete. Mas o que os torna irresistivelmente atraentes e fascinantes para muitos, entre os quais me conto, é o mistério e a magia que os envolve, na fragilidade da sua composição feita de mais de 80% de água, na efemeridade da sua existência de pouco mais de uma semana e na variedade dos mimetismos com que se disfarçam.
“Como uma força”, no dizer da canção, irrompem da terra com as primeiras chuvas do Outono morno, por vezes indiferentes à presença de ervas e outros obstáculos que os sufocam e deformam. São contemporâneos dos medronhos, das castanhas e da miríade de outros cogumelos igualmente espantosos e sedutores.
Imitando o solo, mal se vêem quando começam a crescer portadores de masculino e feminino, lembrando pequenas serpentes, e falos, que evoluem até se transformarem em graciosos chapéus-de-sol, e chuva, que também podem ser vistos como seios e ventres bojudos de promessa. Esta transformação ocorre quando a calcinha se solta, libertando a copa do pé e expondo o seu interior feito das finas e delicadas lamelas brancas que produzem os esporos reprodutores.
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Depois de um ou dois dias de plena maturidade, os tortulhos começam a envelhecer. Aí, com a copa primeiro plana e, seguidamente, algo côncava, parecem chapéus-de-chuva virados pelo vento ou bailarinas de tutu. Continuando escamados, a sugerir a cada um o que a imaginação lhe ditar!
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Em pouco tempo, passam-se e tombam, para reaparecerem viçosos e pujantes no ano seguinte, se ninguém maltratar o fungo, e se as condições ambientes forem propicias.
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Por razões que se prendem com a estrutura em filamentosa dos fungos de que são produto, os tortulhos andam sempre aos pares, imitando, desta vez, os polícias e alguns vendedores de paraísos próximos ou distantes. Os pares podem encontrar-se a uma certa distância uns dos outros ou bem juntinhos, lembrando namorados felizes e pais extremosos. Até podem nascer em anos distintos, tudo dependendo do clima e dos nutrientes.
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Enfim, são simplesmente deslumbrantes e muito enigmáticos, os tortulhos e os fungos que os produzem! E úteis, pois enriquecem a biodiversidade, constituem um recurso multifacetado e contribuem para o equilíbrio ecológico, cada um desempenhando o papel para que a natureza o dotou. Pena que tantas espécies se encontrem ameaçadas de extinção. É o caso dos tortulhos, que os caprinos e ovinos já pouco ajudam a alimentar, e que os grandes ervaçais ou os pesticidas e herbicidas impedem de nascer. Entretanto, todos podemos contribuir para a sua preservação, não os destruindo gratuitamente, e colhendo-os de modo sustentado, isto é, sem os arrancar e só depois de bem abertos para terem tido a oportunidade de libertar os esporos reprodutores. E deixando sempre alguns “para a semente” … Por mim, prefiro continuar a observá-los, deliciando-me com a sua variedade, beleza e originalidade. Açor (Colmeal), 9 de Novembro de 2009. Lisete de Matos (Texto e Fotografia)

2 comentários:

António Santos disse...

Obrigado Lisete pelo seu abraço... de tortulhos.
Obrigado também pelos ensinamentos que nos transmite e pelas belas fotografias.
Ficamos à espera do próximo abraço de...

Anónimo disse...

O paraiso não se vende.
0 Paraiso é uma realidade
Não vira nem mais distante nem mais próximo. virá sem ser vendido ou comprado, mas no dia e hora certo.
Quanto aos tortulhos... oh quanta saudade ....
obrigado pela explanação
AA