18 dezembro 2008

VALE DO CEIRA

. AQUI COLMEAL (MULHERES COLMEALENSES)
Foi com este título que Fernando Costa, durante um largo período de tempo, trouxe para a imprensa regional os mais variados assuntos relacionados com a sua aldeia e a freguesia do Colmeal, que todos nos habituámos a ler com bastante interesse. Fomos encontrar num recorte cuidadosamente guardado, mas sem que lhe possamos precisar a data, uma dessas crónicas, dedicada às mulheres colmealenses. “A mulher, antigamente, além de não ter acesso à cultura, salvo os casos muito excepcionais, tinha praticamente como missão gerar filhos, a lida da casa e efectuar os trabalhos duros, tanto no campo como na cidade. ... Era normal verem-se por todos os recantos, ruas, becos, travessas e esquinas da capital, com as suas canastras ou cestos à cabeça a venderem e a apregoarem os mais variados produtos alimentares ou, mesmo, já cozinhados, caso da «fava-rica». …E a que horas da madrugada tinham essas sacrificadas mulheres de se levantar para irem primeiro adquirir esses artigos aos mercados abastecedores ou, então, a cozinhar a fava seca, demolhada prévia e longamente, que graças aos segredos culinários se convertia num petisco! De certeza, essas mulheres, figuras típicas citadinas, tinham de iniciar a labuta em plena noite para prepararem e cozinharem esse prato forte e alimentício que é a «fava-rica». Evidentemente, com a evolução social, foram desaparecendo essas figuras do tipicismo lisboeta e, simultaneamente, os pregões matinais em que a cidade era fértil. Assim não mais se viu a vendedeira com o seu lenço, «chaile», avental e à cabeça, o cesto de verga, tapado com pano branco, com panelas no interior, a apregoar doce e meigamente «Fava-rica» ou «Quem quer fava-rica?». A confeccionadora e, simultaneamente, vendedeira deste pitéu, cozinhado por pobres e para pobres, foi notícia nos órgãos de comunicação social, em épocas já distantes. A sua figura típica aparecia com regularidade em revistas ilustradas, jornais e, até, no teatro, e o seu pregão – «fava-rica» – foi tema de canções populares.” Continuando, Fernando Costa refere-se à fotografia que acompanha o seu artigo, fotografia que foi extraída de uma revista dos anos trinta, cujo título desconhecia. “Igualmente, a mulher que aparece na foto era natural do Colmeal. Tendo enviuvado ainda muito jovem, não havendo na terra madrasta e ingrata hipóteses de garantir o seu sustento e de dois filhos de tenra idade, migrou para a capital enveredando por esta profissão. … Esta alusão à actividade exercida por modestas mulheres, cozinheiras experientes e asseadas, tem a sua justificação porque, curiosamente, nas últimas décadas do século passado e neste, até pelo menos 1970, várias gerações de mulheres naturais das diversas aldeias e casais da nossa freguesia confeccionaram e venderam nos bairros pobres de Lisboa a tão afamada como apetitosa «fava-rica». Essas mulheres da freguesia, viúvas ou não, nalguns casos carregando com os filhos pequenos ao colo, andavam de rua em rua, para, de forma nobre e honrada, conseguirem manter a família. Por uns tostões ou escudos, antes de nascer o dia começavam a palmilhar a Mouraria, Alfama, Bica, Bairro Alto, Madragoa, Campo de Ourique, Campolide, Poço do Bispo, etc., etc. A essas mulheres colmealenses, dedicamos esta modesta crónica.” FERNANDO COSTA
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Faz hoje precisamente 39 anos que o "Jornal de Arganil" publicava, pela mão de um grande regionalista da vizinha freguesia do Cadafaz e grande amigo do Colmeal, Afonso Batista de Almeida, a sua homenagem àquela que muito o acarinhou, pois também ele foi um dos muitos "filhos" da Inocência Fava-Rica.
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MORREU a «Fava-Rica»

“LISBOA, 13. – O telefone tocou; e do outro lado, veio-nos uma triste notícia: morreu a «tia» Inocência. A extinta, Maria Inocência das Neves, de 82 anos de idade, viúva, natural do Colmeal (Góis), era mãe da Sr.ª D. Arminda Neves Domingos Santos e do saudoso António Domingos, que foi grande regionalista; mas os seus filhos foram, sem dúvida, em maior número, pois foi mãe carinhosa de muitos, incluindo o autor destas linhas. Na sua casa existiu sempre um lugar acolhedor para toda a gente que lá se dirigisse. Na realidade, no 3º andar da Rua do Benformoso, muitos foram os que encontraram sempre uma casa carinhosa e um coração amigo para os receber. A inesquecível «Fava-Rica», que durante muitos anos calcorreou a capital, animando-a com o seu lindo pregão, ficou viúva muito nova; mas, não obstante, conseguiu manter-se e educar com dignidade os seus filhos legítimos, auxiliando, sempre que podia, os outros, apesar das doenças e infelicidades que surgiram no seu lar, com seu filho e genro. A «tia» Inocência para todos tinha uma palavra de amizade e de conforto. Ainda há poucos dias a beijei com muita ternura; e ela, já muito doentinha, mal podendo falar, exclamou enternecida: «Olha o Sr. Afonso…». Que Deus dê paz à sua alma, que bem a merece. À família enlutada, os meus profundos sentimentos. Afonso Baptista de Almeida” In “Jornal de Arganil” de 18 de Dezembro de 1969

A. Domingos Santos

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